quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Meu texto preferido de Robert Kurz(Robert Kurz text about the end times ..... very nice ....)


O ESTADO DE EXCEÇÃO MOLECULAR.
Consciência de crise e "theological turn" da pós-modernidade
Robert Kurz
A pós-modernidade está no fim. De qualquer modo, o conceito foi desde sempre um embrulho enganador: deveria sugerir algo socialmente novo e, no entanto, não podia indicar um conteúdo próprio. A vacuidade das autodenominações remete ao fato de a pós-modernidade não ser nada senão o capitalismo moderno em um estado de carência conceitual e em uma forma tardia de auto-espelhamento fútil. O sujeito esvaziado se aprazia em cultuar a midiaticidade e o "anything goes". Desde os anos 80 essa virtualização correspondia socialmente, quanto ao aspecto tecnológico, ao computador pessoal, às novas mídias e tecnologias da comunicação (particularmente a Internet) e, quanto ao aspecto econômico, às bolhas financeiras especulativas desenvolvendo-se nos mercados acionários e imobiliários.
Mas afinal de contas o núcleo duro do capitalismo não pode ser amolecido com simulações. É central nesse sistema a categoria do "trabalho", que por suas raízes é determinado como "masculino, branco e ocidental". A isso se vincula uma desvalorização das mulheres, às quais foram delegados todos os momentos da reprodução social apartados do "trabalho", não reduzidos a ele. Ao mesmo tempo, no código do disciplinamento destinado às injunções do "trabalho", está inscrita uma desvalorização das pessoas não-brancas, consideradas protótipos da falta de submissão à razão moderna, ao passo que as crises internas do sistema são atribuídas constantemente a um poder subjetivo alheio, como o que foi identificado aos "judeus" no contexto da história européia. Por esse motivo, já desde a época da filosofia das Luzes, o sexismo, o racismo e o anti-semitismo são transmitidos juntamente com a positivação do trabalho, o qual forma a substância no processo de valorização do capital e não representa nada mais que o "trabalho abstrato", apreendido negativamente por Marx. Todas as outras categorias da sociedade moderna produtora de mercadorias (mercado, Estado, nação, política etc.) são determinados por essa relação essencial. Ao se limitar a uma "luta por reconhecimento" no interior da "jaula de ferro" (Max Weber) constituída por essas categorias, o marxismo tradicional acabou por reconhecer, de sua parte, o "trabalho abstrato" e seu disciplinamento, sobrelevando-o ideologicamente em uma "ontologia do trabalho" trans-histórica.
Mas, dada a terceira revolução industrial, o próprio capitalismo tornou obsoleto, pela primeira vez, o "trabalho". Essa barreira interna histórica da valorização foi driblada pela economia das bolhas financeiras dos anos 90, e nesse clima o pós-modernismo simulador pôde ascender a uma ideologia de "mainstream". A esquerda pós-moderna não quis colocar o problema de uma crítica categorial às formas sociais do moderno sistema produtor de mercadorias (inclusive de uma crítica do "trabalho"); daí ter permanecido incapaz também de apreender as dimensões profundas, históricas e estruturais, do sexismo, do racismo e do anti-semitismo. Essa esquerda não foi além da velha "luta por reconhecimento" social e nacional no interior do mundo burguês, enganando-se a si mesma por passar ao largo do marxismo tradicional. No contexto da virtualização econômica e cultural geral, ela coopera no processo de desrealizar o mundo; também a crítica da economia política iria ser "imaterializada". Por fim, Antonio Negri e Michael Hardt deram a essa tendência, com o conceito de "trabalho imaterial", uma expressão exteriormente elegante. Em geral, os conceitos da análise e da crítica social não foram renovados e desenvolvidos, mas apenas virtualizados.
As lutas de classe e por independência, que outrora foram reais e há muito tempo se tornaram história, reproduziram-se como programas de simulação. A esquerda socializada pela mídia deu para crer que provocaria mudanças sociais se suas encenações aparecessem na televisão como imagens em movimento. Com base no "trabalho imaterial", o capital parecia poder acumular ilimitada e ficticiamente por meio das bolhas financeiras, como Jean Baudrillard havia afirmado com terminologia filosófica porosa já no final dos anos 70; e, conseqüentemente, a esquerda pós-modernizada se aprouve em ensaiar "lutas" fictícias e puramente simbólicas tanto quanto um teatro de escola. O capitalismo, assim parecia, era simplesmente uma espécie de "filme".
Com o colapso da "new economy" em 2000/2001, o conceito de "trabalho imaterial" faz má figura. "Trabalho", mesmo o chamado trabalho intelectual, é sempre "dispêndio material de nervo, músculo e cérebro" (Marx). O "trabalho abstrato" no capitalismo não é uma mera coisa de pensamento, é a abstração da economia do conteúdo concreto, a qual executa, como irracional fim em si mesmo, a espremedura da energia humana. Não é por cianotipias, idéias "criativas" ou cliques de mouse que o capital se valoriza, mas somente pelas massas reais de "trabalho abstrato" empregado repetitivamente, dia a dia. A muito evocada sociedade do conhecimento, em que os homens se colocam ao lado do processo de produção, como Marx previu, não é possível na forma capitalista.
O colapso de economias nacionais inteiras desde o começo dos anos 90, o estouro das bolhas financeiras na Ásia e as crises financeiras em muitos países deixaram para trás "terra queimada" no aspecto social. Não obstante, a economia simuladora do capital fictício parecia poder florescer ainda nas metrópoles; na Europa continental ainda havia a sensação de segurança devido ao Estado de Bem-Estar; e em toda parte as camadas qualificadas, em especial nos ramos da tecnologia da informação e da high-tech, iludiam-se no lado seguro. A miséria dos "outros" não era mais que um "filme" para a consciência pós-moderna. Mas o estouro da bolha formada pela "new economy" arruinou um grande número de "sabidos" pós-modernos, desvalorizando seu saber. Propagando-se pelas metrópoles, a crise vai devorando o Estado de Bem-Estar europeu com velocidade incrível. A nova classe média decai; de repente há um filme queimado na própria vida real de muitos. Os simuladores de si próprios são confrontados com o fato de o dinheiro não crescer em árvores e de não se poder baixar maná da Internet.
O rompimento da realidade negativa no espaço virtual da simulação, no entanto, não é digerido de modo crítico, mas regressivo. Em vista da dureza da economia que a surpreende, a consciência culturalista reducionista parece se entregar a uma espécie de virada apocalíptica. O niilismo transcendental do capital e de sua "forma vazia" é pintado na parede com grandes gestos, mas sem mediação analítica. Assim como a pós-modernidade tende geralmente a exigir demais da contingência e a fazer desaparecer a diferença entre crítica e afirmação, também aqui é deixado em aberto aquilo a que se refere propriamente. O descobrimento do carácter niilista da economia também pode significar: a pós-modernidade apaixonou-se pelo nada. Já que há afundamento social, que seja com estilo. O carácter realmente metafísico as categorias capitalistas manifesta-se na reflexão apenas como fantasma. A designação do "mistério da economia" como "paradigma teológico-económico" pelo filósofo italiano Georgio Agamben fica de tal modo críptica que se torna mistificação, em vez de começo de desmistificação. O momento quase religioso do capitalismo, como Marx sugeriu com seu conceito de fetichismo da mercadoria, não é criticado para além de Marx, é teologizado. Daí se falar de uma "theological turn" [virada teológica] da pós-modernidade.
Se Agamben, seu colega francês Alain Badiou ou o polivalente pós-moderno esloveno Slavoj Zizek descobrem, com toda a seriedade, que o apóstolo Paulo é uma espécie de Lênin, então isso há de ter método. Claro, como ateus instruídos, eles não vão de cabeça baixa à escola dominical do papa Bento 16. Pelo contrário, o 13º apóstolo é usado como paradigma para a tentativa supostamente bem-sucedida de, em meio à crise de um mundo, tornar-se o criador de um novo mundo recorrendo somente a "gestos inauditos". Paulo teria descoberto o método de dissolver a "lei antiga" por meio de uma "política da verdade" que se põe a si mesma, fazendo da morte banal de Jesus o "evento de Cristo". Tal "verdade" seria sem fundamento, não teria nada a ver com regularidades, condições e desenvolvimentos sociais. E assim a práxis da vida social deve se desabrochar também hoje graças a uma política infundada da verdade e do evento. Abusando de algumas formulações de Walter Benjamim autonomiza-se de certo modo um momento "messiânico" do marxismo tradicional.
Naturalmente já nada disto é completamente novo. Os motivos tomados pelos pós-modernos do existencialismo de Heidegger são agora armados em "teologia política" com a filosofia do evento na crise realmente vivida. As mediações são definitivamente riscadas do mapa, em seu lugar deve entrar o ato que gera a si mesmo. Já os situacionistas em torno de Guy Debord não quiseram concretizar em termos teóricos e práticos seu mal-estar em relação ao "trabalho abstrato" e ao fetichismo da mercadoria, mas sim inventar "situações" para, pelo menos por alguns instantes, revogar de maneira surpreendente a ordem estabelecida. Adorno designou tais modos de pensar e proceder de "falsa imediatez". Na realidade, o próprio sujeito é mediado em termos capitalistas, e justamente por isso ele não pode estabelecer uma outra verdade, de forma infundada e incondicional. Também Paulo foi, em sua época, condicionado socialmente, e não o inventor de uma política da verdade autopoiética.
Carece-se hoje de uma "contramediação" consciente e tenaz, a fim de desenrolar criticamente a história da constituição capitalista, decifrar a metafísica real moderna como um nexo interno de formas econômico-políticas e conceituar negativamente a constituição de si mesmo como sujeito burguês em seu devir. Isso se aplica também à práxis da resistência social; mesmo a menor ação sindical só pode ser eficaz mediante um complexo processo de mediação. O "gesto inaudito" como substituto da contramediação crítica é um mito miserável, com que os pós-modernos esperam escapar ilesos de maneira tão barata quanto jactanciosa. De preferência a consciência simuladora gostaria de consumir como evento também o declínio social do mundo e voltar excitada para casa. Porém, como o próprio depauperamento real e a própria degradação social não podem ser virtualizados, a teologização do capitalismo toma um rumo maldoso.
Agamben, no seu livro "Homo Sacer", tinha esclarecido o nascimento e o processo da modernização com o conceito de estado de exceção, com isso dando uma contribuição significativa para uma nova crítica histórica. Como, porém, ele se recusa a ligar esse conhecimento a uma crítica categorial concreta da economia política e, em vez disso, no ensaio "Profanações", teologiza a modernidade de modo puramente associativo, o seu pensamento abre-se a uma interpretação obscura e bárbara. A reinterpretação da libertação social, na filosofia do evento de um escatológico acontecer da salvação tornado profano, revela-se compatível com a "teologia política" do teórico do direito Carl Schmitt, que esteve próximo do nacional-socialismo de Hitler. "Soberano é quem decide sobre o estado de excepção" – esta famigerada formulação de Schmitt é inteiramente afim da "theological turn" [virada teológica] pós-moderna. Se Agamben em "Homo Sacer" ainda podia ser entendido como crítico de Schmitt, faz-se notar agora por uma inquietante convergência. A comunidade é a expressa falta de fundamento da "decisão". Também a libertação social precisa de vontade de decidir, mas esta decisão só pode ser pensada a partir de fundamentos conscientes e de condições criticamente analisadas.
Se o sujeito macho, branco e ocidental não quer admitir ainda, em sua queda, que sua própria constituição é condicionada por formas sociais e pelo afastamento do feminino, e se, pelo contrário, os "eventos" infundados devem ser postos pela política da verdade com o "raio da decisão", então, na crise, apenas a determinidade capitalista pode se reproduzir, e dolorosamente. Nos limites do sistema do "trabalho abstrato", porém, já falta a força para a generalização social global. Enquanto a administração estatal da crise gerencia o nexo social, a sociedade fragmentada decai em uma "guerra civil molecular" (Hans Magnus Enzensberger). Com suas mistificações, a teologização pós-moderna do capitalismo vai preparando a barbárie; ela se converte na vazia e destrutiva "vontade que quer a si mesma" (Hegel).
A resposta neo-existencialista ou neo-situacionista ao niilismo da modernidade se revela, assim, uma resposta ela própria niilista. A "individualização" (Ulrich Beck) pós-moderna, que pelo menos nos USA e na Alemanha está avançada, torna-se cada vez mais obsoleta. Mas os indivíduos atomizados, que precisam abdicar como reis de si mesmos no reino do consumo pessoal de mercadorias, não voltam a ser sociáveis. O resultado é a aglomeração casual que forma o populacho. Não é só a campanha racista e antisemita que tem uma nova conjuntura a nível mundial, em múltiplas formas de manifestação, sob as condições de crise da globalização. Em toda parte se formam aqueles que se sentem ter ficado para trás, que não podem mais satisfazer sua ambição e que não são mais solventes. Só que eles não se formam para a solidariedade, mas sim para a auto-afirmação, tão descompromissada quanto militante, em contextos mafiosos, isto é, inteiramente independente de qualquer conteúdo.
As leis do "milieu" criminoso se generalizam em todos os grupos e instituições sociais. Trata-se de mais do que a mera corrupção tradicional. No empresariado, nos partidos políticos, na atividade científica e mesmo nos círculos teóricos de esquerda, a personalização dos problemas, a intriga, a patologização recíproca e o escândalo encenado estão na ordem do dia. No nível do cotidiano, a guerra de todos contra todos se converte em "estado de exceção molecular". O "evento" não aparece como ação emancipadora, mas como putsch e golpe para erguer, sobre o terreno social do formato da Disneylândia, uma "soberania" desesperada, inconsistente já na base. Na desagregação da modernidade, a história da fundação se repete como farsa em escala micrológica.
A crise da identidade masculina no capitalismo da terceira revolução industrial se exterioriza como "vingança de homens pequenos" contra os "proeminentes", que devem ser abatidos; no entanto ela aparece também como novo sexismo. Não por acaso foi também São Paulo, o pretenso inventor da política da verdade, aquele que emitiu a sentença segundo a qual as mulheres teriam de se calar na comunidade. Agora os homens pós-modernos desvalorizados querem ser até mesmo, paradoxalmente, mulheres melhores. Posições e criações femininas na sociedade devem ser expropriadas para salvar a supremacia masculina. Paulo como "Lênin": eis um paradigma dos problemas de autovalorização dos sujeitos machos, brancos e ocidentais durante a crise do "trabalho abstrato", sujeitos que querem ainda passar a mão no feminino apartado, considerando-o "capital cultural" (Pierre Bourdieu). O carrossel do "estado de exceção molecular" gira na autofundamentação sem fundamento de sujeitos deformados, que estilizam a sua falta de perspectiva, convertendo-a em uma filosofia do evento. Assim é solicitada a "decisão" heideggeriana desprovida de conteúdo: seja sempre decidido, mas não saiba para quê.
Original alemão DER MOLEKULARE AUSNAHMEZUSTAND. Krisenbewusstsein und "theological turn" der Postmoderne.
http://obeco.planetaclix.pt/

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

A pesada ausência de Robert Kurz - Por Arlindenor Pedro*


Marxista antidogmático, ele seguiu (mas ultrapassou) Escola de Frankfurt. Viu na queda da União Soviética sinal da crise do capitalismo

Foi enterrado nesta quinta-feira (26/7), em Nuremberg (Alemanha), o filósofo alemão Robert Kurz, morto dia 18, vítima de uma sequência de operações.

A notícia de sua morte foi anunciada, de forma lacônica, nas paginas da revista Exit! [versão parcial em português aqui], que ele ajudou a fundar em 2004, após a cisão do grupo Krisis onde atuou desde 1986, exercendo importante papel, como editor e publicista. Seu enterro foi marcado para o cemitério daquela cidade, para ser realizado em 26 de julho. No convite, a direção de Exit! fez questão de sugerir que seus amigos não gastassem dinheiro com flores e coroas, guardando seus recursos para eventuais ajudas à revista, que foi a trincheira política desse importante pensador do mundo contemporâneo.

Mas, mesmo nas linhas austeras que anunciaram sua morte, era possível perceber a emoção de seus companheiros, pois sabiam, como nós, a importância daquela perda. Assim se pronunciou a revista: ¨… Com a sua morte, a teoria crítica perde um pensador lutador e um crítico radical, num tempo em que mais que nunca se exige ‘derrubar todas as condições em que o homem surge como um ser humilhado, escravizado, abandonado, desprezível’. Bobby viveu e lutou por isso. A crítica da dissociação e do valor e a revista teórica Exit! perdem um teórico marcante e não será fácil preencher a sua falta. Vamos tentar.¨

A tarefa não será fácil porque Kurz firmou-se como um dos mais importantes teóricos marxistas e críticos do capitalismo contemporâneo, exercendo, através de seus constantes artigos e livros publicados, uma influência decisiva na formulação dos novos rumos dos movimentos revolucionários em todo o mundo.

Kurz foi um crítico impiedoso dos conceitos gerais do chamado “marxismo oficial”, desenvolvido pela esquerda dogmática e positivista. Ela ajudou a burguesia liberal a erigir a sociedade da mercadoria em que atualmente o mundo está atolado, levando a humanidade a uma situação de penúria sem precedentes. Para o filósofo, o movimento socialista serviu, em ultima instância, como avalizador das relações de consumo em que vivemos.

Como alternativa, propunha, em seus escritos, um novo olhar para as obras de Marx. Ressaltava os estudos sobre o trabalho abstrato e fetiche da mercadoria, abandonados pelo marxismo oficial. Este optou em ver dogmaticamente o proletariado como o motor principal de mudanças na sociedade. Omitiu-se da luta pela destruição do Estado e da construção de uma nova sociedade onde a mercadoria e o dinheiro não mais seriam os elementos de intermediação entre o homem e a natureza.

Corajoso, Kurz propunha rever os conceitos iluministas que nortearam a construção da sociedade racional, plenamente firmada após a terceira revolução industrial, com a incorporação da ciência ao processo produtivo e o declínio – tanto numérico, quanto político – da classe trabalhadora. Em muitos aspectos, ela tornou-se secundária ou mesmo desnecessária para economia capitalista.
Robert Kurz insere-se na vertente de pensadores marxistas que se preocupava (como a Escola de Frankfurt) com a impossibilidade do homem moderno encontrar sua plena existência num mundo de ampla oferta de mercadorias. Porém, seu pensamento vai além.

O aspecto mais atual do seu pensamento está em interpretar a situação do homem contemporâneo à luz da critica de Marx ao valor. Para isso, Kurz parte do estudo da visão marxiana desenvolvida na Critica da Economia Política, colocando em relevo o conceito de fetiche da mercadoria. Entende o pensamento de Marx como constatação e critica da redução de toda a vida humana ao valor, isto é, à economia. Opõe-se, portanto, à corrente marxista que via a exploração econômica como o mal maior do capitalismo e propunha uma sociedade em que a economia não seria usada para a exploração de uma classe sobre a outra, Kurtz, remetendo ao próprio Marx, concebe a esfera econômica como oposta, ela própria, à totalidade da vida. Aí está sua originalidade.

Seu livro mais conhecido publicado no Brasil, O Colapso da Modernização, mostra que a debacle do chamado “socialismo real”, da extinta União Soviética, só poderá ser entendida ser analisada à luz da crise geral que vive o sistema capitalista.

Com um prefácio primoroso de Robert Schwartz, um entusiasta das ideias de Kurz, esta obra sugere que as mudanças operadas no seio da economia internacional vão conduzir o sistema capitalista a uma falência de proporções catastróficas. A aparente “vitória” das sociedades de mercado, com a queda do Muro de Berlim e da União Soviética em 1989-90, seria uma vitória de Pirro do sistema. Os anos passados desde sua publicação (em 1999) só tornaram o livro mais importante para o entendimento da economia mundial e particularmente a economia de mercado do Brasil.
Para um melhor entendimento das ideias deste importante filósofo, vale ler uma entrevista que concedeu à revista brasileira “IHU online” em março de 2009, quando esteve no país para participar do Fórum Social Mundial.

Serra da Mantiqueira, julho de 2012.

* Arlindenor Pedro [email | blog], é professor de história, funcionário público e especialista em Projetos Educacionais. Anistiado por sua oposição ao Regime Militar, atualmente dedica-se à produção de flores tropicais na Região das Agulhas Negras.
Fonte: http://www.outraspalavras.net/

Robert Kurz

No seu “Manifesto contra o Trabalho“, publicado em 1999, o grupo de Kurz contesta a tradicional noção marxista que põe a luta de classes como motor da história. Para o Krisis, a relação entre burguesia e proletariado não é uma luta entre revolucionários e opressores, mas entre dois interesses opostos e necessários ao capitalismo, como integrantes de um único “campo de trabalho”.
Em 2004, o grupo sofreu uma cisão, com Kurz e outros integrantes se reagrupando em torno da revista “EXIT!”. O livro mais conhecido do filósofo no Brasil é “O colapso da modernização”, lançado em 1991, com prefácio do crítico Roberto Schwarz. Na obra, escrita após a queda do Muro de Berlim, Kurz vê na derrocada da URSS o fracasso de um regime imposto como forma de “modernização recuperadora” e prevê futuras crises no capitalismo. Visitante frequente do Brasil, Kurz também colaborava com o caderno “Mais!”, que antecedeu a “Ilustríssima”.
Fonte: Folha UOL


Manifesto Contra o Trabalho


Manifesto Contra o Trabalho


Robert Kurz homenagem


O CRESCIMENTO DUVIDOSO DA INDÚSTRIA AUTOMÓVEL


A crise da dívida da União Europeia e dos EUA prossegue animadamente, mas isso pouco parece conseguir prejudicar a conjuntura económica mundial. Em particular, a indústria de exportação alemã imagina-se numa Primavera duradoura. Sobretudo as empresas automobilísticas, que registam sucessivamente novos recordes. Isto prova que a produção de automóveis continua a ser um sector-chave do capitalismo. Neste ramo pode ver-se exemplarmente para onde vai o percurso económico. Estarão então certas as previsões optimistas que pretendem ver para a próxima década uma retoma económica sem fim da economia real?

Vale a pena observar mais de perto a estrutura do boom da indústria automóvel. As vendas na Europa parecem continuar a cair. Em compensação está explodindo a exportação para os países emergentes, especialmente a China, e para os EUA. Se essa situação fosse sustentável a prazo ela estimularia o consumo das grandes massas populares com carros pequenos e médios, enquanto o segmento de luxo poderia formar apenas o cume de uma base ampla. Mas passa-se exactamente o contrário. A carga propulsora do suposto milagre da indústria automóvel são os ostentosos carros de luxo da Daimler, BMW e Audi e os desportivos da Porsche.

Na China, tal como nos EUA, continua a aumentar o fosso entre ricos e pobres. Este é um problema social e económico: Se o consumo de automóveis em massa quase não se verifica no segmento de menor renda, isso é um sinal da natureza febril do crescimento baseado no segmento de luxo. Trata-se de uma prosperidade fictícia baseada no crédito e nas bolhas financeiras.

A nova classe média com capacidade de pagamento na China, cuja dimensão é ilusória em virtude da massa oculta da população, não tem fundamento sólido. Ela está associada ao aumento especulativo de edifícios residenciais e de escritórios em grande parte vagos, estádios e outros investimentos ruinosos, que foi orquestrado por quadros partidários corruptos a nível local e regional. O seu consumo de luxo é financiado a crédito ou com rendimentos irregulares. Muito semelhante é o caso dos EUA, onde as injeções financeiras constantes do governo e da Reserva Federal só chegam a uma minoria.

Realmente não é preciso esperar pelo próximo colapso financeiro para ver que os consumidores de luxo globais se excederam - mesmo no muito aclamado país das maravilhas alemão: Os grandes carros quase não são vendidos a pronto, mas sim em leasing. É possível comprá-los com uma prestação mensal relativamente modesta. É que o fôlego do financiamento já é curto porque para muitos o limite do rendimento já foi atingido.

Mas os carros de prestígio de alta potência são tão artilhados que as reparações se tornam necessárias rapidamente. O que ainda era relativamente barato num carro pequeno antes da electrónica atinge logo 800 ou 1000 euros nos carros mais caros. Na Alemanha e não só as maravilhas adquiridas em leasing acumulam-se nos stands e nas oficinas porque os seus orgulhosos utilizadores não conseguem pagar a reparação (ou a próxima renda). Um pequeno indício de que o boom dos automóveis de gama alta poderá ser tão duvidoso como o boom imobiliário.

Original Faule Autokonjunktur in www.exit-online.orgPublicado em Neues Deutschland, 04.06.2012.

Morre Robert Kurz


Robert Kurz, autor de 'O Colapso da Modernização', morre aos 68
Filósofo e sociólogo alemão teve complicações em cirurgia há 11 diasDE SÃO PAULO
O filósofo e sociólogo alemão Robert Kurz morreu no último dia 18 de julho, aos 68 anos -segundo sua viúva, em decorrência de complicações cirúrgicas logo depois de uma operação no pâncreas.
Considerado inovador da tradição marxista, Kurz, nascido em Nuremberg em 1943, participou da criação da revista e do grupo Krisis, em torno dos quais se desenvolveu a chamada Wertkritik (crítica do valor, em alemão).
A Wertkritik é uma vertente teórica que se propõe a criticar a sociedade capitalista do ponto de vista da produção de mercadorias, usando como principal referencial o conceito de fetichismo da mercadoria tal como proposto por Karl Marx (1818-1883).
No seu "Manifesto contra o Trabalho", publicado em 1999, o grupo de Kurz contesta a tradicional noção marxista que põe a luta de classes como motor da história.
Para o Krisis, a relação entre burguesia e proletariado não é uma luta entre revolucionários e opressores, mas entre dois interesses opostos e necessários ao capitalismo, como integrantes de um único "campo de trabalho".
Em 2004, o grupo sofreu uma cisão, com Kurz e outros integrantes se reagrupando em torno da revista "EXIT!".
O livro mais conhecido do filósofo no Brasil é "O Colapso da Modernização", lançado em 1991 com prefácio do crítico Roberto Schwarz.
Na obra, escrita após a queda do Muro de Berlim, Kurz vê na derrocada da URSS o fracasso de um regime imposto como forma de "modernização recuperadora" e prevê futuras crises no capitalismo.
Visitante frequente do Brasil, Kurz também colaborava com o caderno "Mais!", que antecedeu a "Ilustríssima".

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